Hoje, já é uma realidade: muitas pessoas alugam seus imóveis, especialmente durante temporadas, principalmente impulsionados pela popularização de aplicativos como o Airbnb, que conecta locadores com interessados. O uso dos apartamentos no litoral para estas finalidades é ainda mais alto, por ter a tendência a ser um imóvel de veraneio e não o de residência dos donos; além de ser procurado por conta da praia. O uso, entretanto, deve ser tratado com cautela, tanto por proprietários quanto por síndicos e condomínios.
Alugar apartamentos para terceiros não é uma prática recente, mas tem sido mais frequente devido à popularização dos aplicativos – e isso acarreta em conflitos diversos. Por conta disso, as implicações jurídicas ainda são nebulosas. Em janeiro de 2019, no Rio de Janeiro, um morador na quadra da praia de Ipanema foi proibido de locar seu apartamento por menos de 30 dias e para mais de seis pessoas pelo desembargador Ricardo Alberto Pereira, da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense, após ação judicial do condomínio, sob pena de multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento. No caso, a ação foi motivada por tumultos que os locatários estariam provocando tanto dentro do apartamento quanto em mau uso das áreas comuns do prédio. “Não se desconsidera o direito do proprietário em poder usar, gozar e fruir do bem que lhe pertence, aí incluído o direito de locar o bem. Mas todo e qualquer direito deve ser exercido nos limites da função social que lhe é correlata”, diz o desembargador na ação. O proprietário utilizava justamente o aplicativo Airbnb para realizar as locações, que eram recorrentes.
Apesar desta decisão, o mais comum em São Paulo tem sido donos de imóveis que utilizam a plataforma conseguirem decisões favoráveis para continuar com os negócios, mesmo sem o aval do condomínio. O Tribunal de Justiça de São Paulo vem entendendo que locar o apartamento é um direito do proprietário, que tem garantido pela legislação o direito de propriedade – que lhe dá inclusive o direito de controlar o acesso ao apartamento. Em outro processo, a 36ª Câmara de Direito Privado de São Paulo entendeu que a ocupação do imóvel por pessoas distintas, em espaços curtos de tempo, via Airbnb, não descaracteriza a destinação residencial do condomínio. “A interpretação pretendida pelo condomínio implicaria vedar qualquer tipo de locação no imóvel, seja ela por um ano ou por trinta meses, seja por um dia ou um feriado. A alteração do lapso temporal, por si só, é incapaz de tornar distinta a forma de destinação do imóvel”, concluiu o desembargador Hugo Crepaldi na ação.
“O entendimento jurisprudencial sobre este assunto ainda é prematuro e encontra-se dividido, logo, toda atitude deve ser desempenhada com cautela”, recomenda Edmon Soares dos Santos, advogado do Depto. Jurídico da Hamasul. “Alguns condomínios próximos aos aeroportos, que sofrem com a grande rotatividade de locatários temporários, estão alterando a convenção condominial para estabelecer um limite mínimo de diária. Outros exigem que o locador entregue uma autorização contendo o nome de todos os locatários, com data de entrada e saída da unidade, monitorando o fluxo de pessoas que a utilizam”.
Essas são maneiras práticas de se ter um maior controle de segurança, por exemplo. “Já nos condomínios localizados no litoral de São Paulo, por se tratar de local onde há grande circulação de pessoas e considerando que os grupos de pessoas que locam imóveis por temporada no verão podem ser numerosos, algumas convenções e regimentos internos impedem que locatários de temporada utilizem as piscinas e churrasqueiras, por exemplo”, diz Edmon. “Do contrário, os condôminos seriam obrigados a conviver com pessoas estranhas ao convívio rotineiro, além de serem compelidos a dividir com grande número de pessoas as áreas de lazer, trazendo desconforto para todos”.
É importante considerar o que diz a convenção de condomínio
A ação do Rio de Janeiro tem outro aspecto interessante, no que diz respeito à decisão do desembargador: ela levou em conta a convenção condominial, que estabelecia uma regra em que as locações por temporada só poderiam acontecer pelo prazo mínimo de 30 dias e nunca para mais de seis pessoas por vez. Nesse caso, o TJ-RJ entendeu que o condomínio estipulava as regras para tal situação e, por isso, deu ganho de causa a ele.
O desembargador Hugo Crepaldi, na ação paulista, também observou a convenção condominial para dar a vitória ao proprietário. “Inexistindo vedação na convenção do condomínio e não sendo possível se afirmar que a locação por curta temporada altera a destinação de modo a qualificá-la como não residencial, inexiste base jurídica a sustentar a pretendida restrição do direito de propriedade da ré pelo condomínio”, conclui ele na ação.
“Todas as convenções são basicamente pautadas com o intuito de proteger o direito da coletividade”, ressalta Edmon. “Portanto, devem fazer parte da convenção e do regimento interno as regras que garantem este direito. Os síndicos de condomínios que enfrentam este problema devem levar o assunto para assembleia, para que fiquem também estabelecidos os critérios que serão utilizados tanto pelo condomínio quanto pelos proprietários das unidades para controlar o tráfego de pessoas, orientando o zelador e os porteiros para anotar tal fluxo, garantindo a segurança do condomínio”.
Além disso, vale lembrar que o desrespeito à convenção e ao regimento interno podem gerar multas para a unidade infratora, que podem ser aumentadas em até cinco ou dez vezes caso a infração prossiga.
Cuidados a serem tomados pelo locador
O artigo 1.336 do Código Civil diz que é dever de todo o condômino não utilizar sua propriedade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais. Dessa forma, isto também deve ser observado no ato da locação do imóvel para terceiros.
Vale lembrar que o proprietário, quando aluga o imóvel, se responsabiliza pelos atos das pessoas para as quais está alugando. Já que ele possui o direito de propriedade, é ele quem responde por eventuais danos ao prédio ou comportamentos inadequados, que podem render multas para a unidade.
Por isso, uma dica valiosa ao proprietário locador é criar um contrato com regras, ao qual o locatário assina e se compromete a cumpri-las – de preferência, estipulando um valor de multa no descumprimento. Até um cheque-caução pode ser usado como garantia. Entre estas regras, deve estar a observância do respeito pelas normas do prédio e pelo regulamento interno, em especial quanto ao uso de áreas comuns e horário de silêncio.
Edmon ainda dá uma preciosa dica aos locadores: conhecer para quem se aluga o imóvel. “É indispensável que o locador tenha alguns cuidados mínimos para evitar maiores constrangimentos para si e para o condomínio, tais como realizar pesquisa sobre apontamentos de ações judiciais através do site do Tribunal de Justiça ou até mesmo exigir atestado de antecedentes criminais, pois diversos são os casos de locatários que tomam posse do imóvel com o intuito de permanecer”, diz ele. “Além disso, deve ser enviado junto ao contrato de locação por temporada uma via do regimento interno do condomínio, devendo constar no contrato de locação que todo e qualquer prejuízo ou ofensa às normas ali contidas serão passíveis de ação judicial reparatória quanto ao prejuízo causado”.
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