Com o isolamento social, um assunto tornou-se pauta também dos condomínios: o abuso e a violência doméstica. Infelizmente, com as medidas adotadas contra a covid-19, muitas pessoas passaram a conviver mais tempo com seus agressores em suas casas. Como exemplo, só no Rio de Janeiro, segundo dados do TJRJ, houve aumento de mais de 50% no número de denúncias desde que o isolamento começou. E esse é um crime que deve ser combatido e denunciado. O governador do Distrito Federal sancionou uma lei que obriga condomínios a denunciar situações de violência doméstica contra mulher, criança, adolescente ou idoso que ocorram em suas dependências. A comunicação aos órgãos de segurança pública deve ser feita pelo síndico ou pela administração imediatamente por telefone, ou por escrito em até 24 horas. Condomínios que não cumprirem estão sujeitos a multas entre R$ 500 e R$ 10 mil. O fato é que síndicos e condôminos podem e devem ser aliados na luta contra esse tipo e caso. Conversamos com o psicólogo e escritor Alexander Bez, especialista em relacionamentos pela Universidade de Miami, sobre o assunto. Confira:
Quais os sinais que uma pessoa que sofre com violência doméstica dá?
A vítima apresenta vários sinais físicos, emocionais e comportamentais. Os físicos geralmente são representados por hematomas, que podem estar cobertos pela roupa. Os emocionais incluem a retração, encolhimento, timidez, vergonha, isolamento social, estado constante de agitação, ansiedade exacerbada, estado de medo persistente, recusa sexual, manifestações depressivas, e ideação suicida.
Na alteração comportamental, a vítima age diferente de suas condutas normais. Expressões ou manifestações de falta de esperança são comuns, assim como desespero e angústia. Perda do interesse pelas coisas que gostava e baixa da autoestima também são comuns.
Existe um perfil do agressor/agressora que comete violência doméstica? Como identificá-los?
Independentemente do nível social, intelectual, econômico, os abusos domésticos acontecem quando se tem no companheiro o elemento da “agressividade”, moldando a personalidade. Todo agressor é violento. Ciúmes e possessividade fora do padrão também são características importantes de ser destacadas. Quando se associa a ideias delirantes e paranoicas, temos uma provável “bomba atômica psicológica”. Existem dois estágios importantes de ser notado em um agressor: a agressão verbal, onde o agressor faz recorrentes humilhações, rebaixamento, xingamentos, críticas desconcertantes e também desconstrutivas. Realiza comparações com outras pessoas, inferiorizando a vítima. Geralmente há um aumento do tom vocal. No estágio verbal, há ainda o “controle econômico e até restritivo social”, tolhendo a mobilidade urbana da cônjuge. No segundo estágio, há agressão física: ele passa a causar empurrões, tapas e socos. Cada agressão será imputada à vítima, de acordo com o ímpeto violento de cada abusador doméstico; no entanto, todos são igualmente covardes.
A violência doméstica acontece contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos, sendo que os agressores costumam ser os próprios familiares das vítimas. Quais os tipos de violência que podem acontecer?
Podem ser agressões múltiplas (direcionadas a todos que compõe a casa), podendo ter uma pessoa como sua principal vítima. A estrutura mental do agressor desenvolve uma responsabilidade em determinar quais serão as vítimas. O agressor projeta nas vítimas que moram no lar a agressividade de acordo com a inabilidade do controle e da necessidade obsessiva-compulsiva. Todas as agressões contra os membros da casa são relacionadas ao poder e controle absoluto sobre todos e tudo.
Qual é o limite que define o processo de educação dos filhos da violência e do abuso?
A partir do momento em que a educação fere a integridade psicológica de uma criança e adolescente, é considerado abuso. A educação é diferente de doutrinação e agressão. O limite deve ser saudável, harmônico, mesmo que seja árduo. A maioria das crianças que sofrem com os padrões implementados pela rigidez agressiva do patriarca ou da matriarca, tendem a se transformar também em pessoas agressivas no futuro. Importantíssimo mencionar e alertar de que comportamentos violentos domésticos podem criar problemas psicológicos sérios, especialmente quando há agressões físicas. Tentar manter os filhos longe das agressões se perfaz como útil.
Temos uma cultura de minimização desse tipo de incidente, em ditos populares como “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Mas a verdade é que os resultados fatais da violência crescem também por conta da omissão. Como síndicos e moradores dos condomínios podem contribuir e atuar contra a violência?
Muito se fala hoje em dia: “em briga de marido e mulher, todo mundo mete a colher”, e assim deve ser, quando se trata de um relacionamento abusivo. Denúncias anônimas são essenciais para combater esse tipo de situação. Não se pode desprezar as constantes brigas. Lembre-se dos estágios, oriente as vítimas a buscarem ajuda especializada e terapia para fortalecer o emocional. Ter coragem para denunciar o agressor é sempre a melhor ação. Os Síndicos e zeladores nunca devem se reportar diretamente aos agressores, mas devem buscar um momento ideal para falar com as vítimas, em momentos em que o agressor não esteja por perto.
Como deve ser realizado o acolhimento à uma vítima de violência doméstica?
Primeiramente, com muita atenção, dedicação e afeto. O ideal é que a vítima busque escuta especializada, para que ela comece a se reestruturar emocionalmente e elevar a autoestima. Fazer a vítima compreender que ela é especial e não é a culpada pela agressão é um dos primeiros passos.
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Qual a ligação desse índice com a violência doméstica?
A certeza da impunidade no Brasil perambula inevitavelmente na mente dos agressores. Eles se auto avaliam como “intocáveis”. As leis do Brasil, infelizmente, em algumas situações, são ineficazes, dando oportunidade de que o agressor volte a realizar suas agressões.
Embora em 2015, o crime de feminicídio tenha sido incluído como crime hediondo na lei que tipifica o homicídio, a maioria dos casos é cometido por maridos e namorados da vítima, numa “cultura” em que os agressores se sentem legitimados a matar. Do ponto de vista psicológico, como essa “cultura” deve começar a ser mudada?
Inicialmente, devemos entender que o machismo é improdutivo emocionalmente, tanto para a mulher quando para o homem. Mulheres merecem viver com a mesma dignidade dos homens. Sair com a roupa que quiser, seguir a profissão que escolher, casar-se com quem a faz bem... O patriarcado precisa entender urgentemente que não há superioridade entre os sexos. As esferas psicológicas-sexuais são as mesmas entre ambos. Se o companheiro se acha superior fisicamente e psicologicamente em relação a seu cônjuge, a única solução é a separação. Não vale a pena investir em algo que não te fará bem.
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